segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

insuspeito









abrigo-me nele de formas que ele nunca suspeitará. aninho-me nas suas palavras, entrelaço os meus dedos na ideia dos seus dedos, as minhas pernas repousam encostadas ao calor que imagino que as dele emanam. 
o meu mundo roça o dele sem que ele o saiba. separados por um fino tecido de seda, transparente, trago o meu peito cheio dele, de tal maneira fundo, que acordo e adormeço a seu lado, irremediavelmente.









domingo, 11 de fevereiro de 2018













sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

distância






ele foi-se embora quando o frio chegou. na verdade, já tinha ido há muito, mas foi com o frio que deixei de o ver.
depois de ele ir, aconteceu o meu corpo e os electrodomésticos começarem a avariar-se. primeiro foi a máquina de lavar roupa, depois a da louça, de seguida a placa do fogão.
se me perguntar se eu queria que ele ficasse, respondo-lhe que não. não queria. só queria que tudo fosse diferente e que o meu corpo e os electrodomésticos não me falhassem.
o que se passa agora? é que deixei de conseguir escrever cartas de amor, ou lá o que era aquilo. distanciei-me, é isso. do quê? daquilo que é bonito, do quase belo.






domingo, 4 de fevereiro de 2018

condicional








poderia ter ido ter com ele, como tantas outras terão ido ter com ele. 
mas não fui. os quilómetros são muitos e as portagens também. e depois, há as pontes e eu tenho tanto medo de atravessar pontes.
poderia ter lido poesia e os grandes filósofos, se não gastasse os meus dias nesta labuta incessante de quem não tem outra habilidade para sobreviver.
mas não li. arrasto os olhos pelas misérias do mundo, e na hora dos poemas, adormeço.
poderia entristecer-me pela distância, mas não me sinto triste. a única tristeza que sinto é a do cansaço do corpo.
poderia sofrer por amor, se não tivesse nada que fazer, mas o que me faz mesmo falta, é um banho quente ao final do dia.
poderia ter o seu corpo em concha, a acolher o meu. mas em vez dele, tenho sempre um lugar fresco na cama, para aliviar a minha pele, ardente.











quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

medidora de palavras





estivemos tão perto na indisível distância, que eu diria, que num momento qualquer nascemos outros, gente comum, submissos perante a vida, fazendo da visão, aquilo que os olhos alcançam.