quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

chove





Há quanto tempo eu não parava para ver a chuva cair. A chuva traz-me a memória dele, assim como o sol, os dias azuis e o mar. Assim como o adormecer e o acordar, assim como a música e o silêncio, a escrita e a leitura. Assim como a nudez ou as vestes macias, assim como estar ou não estar. Assim como respirar.





terça-feira, 19 de dezembro de 2017

sábado, 16 de dezembro de 2017

sem ele







cubro-me.
reaprender o corpo, a pele, o toque, a saliva, as encostas, os rios, a foz, as ondas, a espuma.
a vida toda.













quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

À tua palavra me acolho



À tua palavra me acolho lá onde
o dia começa e o corpo nos renasce
Regresso recém-nascido ao teu regaço
minha mais funda infância meu paul
Voltam de novo as folhas para as árvores
e nunca as lágrimas deixaram os olhos
Nem houve céus forrados sobre as horas
nem míseras ideias de cotim
despovoaram alegres tardes de pássaros
O sol continua a ser o único
acontecimento importante da rua
Eu passo mas não peço às árvores
coração para além dos frutos
Tu és ainda o maior dos mares
e embrulho-me na voz com que desdobras
o inumerável número dos dias

Ruy Belo




terça-feira, 12 de dezembro de 2017

regresso a mim






escreverei até que os dedos sangrem. e quando o cansaço romper a pele, levará o arrepio e a vertigem, o verbo e a melodia, o toque e o suspiro, a memória do invisível, para que as veias voltem a ser a casa do meu sangue, e que de mim apenas reste eu.










segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

sábado, 9 de dezembro de 2017

Nem Eu

domingo, 3 de dezembro de 2017

palavras perdidas









Nunca disse o teu nome em voz alta
Nem sei onde se perdem as palavras que não te digo

Tento tecer linhas que nunca unirão os desencontros e as diferenças que nos descrevem num mundo de pareceres

Nem o meu amor é real

Sei-o

Tento contigo vedar as frestas por onde o norte impregna de frio o sangue que humedece a secura dentro de mim

Descansaria finalmente em ti se tu não fosses dilúvio












sexta-feira, 24 de novembro de 2017

um tanto querer









A minha dificuldade é quere-lo pouco. Porque eu sei que se o quiser muito, mas o muito do tamanho que eu o quero, ele virá, mesmo que não seja meu, mesmo que não seja inteiro. Ele virá mesmo que seja de outra. E eu não quero.
Mas eu quero-o tanto, mas tanto, mas é de um tanto querer silenciado, amordaçado, adormecido, para que, se um dia ele vier, que venha para se aconchegar, que venha para se alegrar.


Que venha, nu.











domingo, 19 de novembro de 2017

céu azul árido










a feiticeira cedeu ao meu pedido e ofereceu-me um lugar de onde me era possível olhar para dentro da vida dele.
deixei de sentir com o coração para dar espaço à razão.
então nasceu para mim, uma nova medida de distância, uma pele sem poros, um olhar sem mar.











terça-feira, 14 de novembro de 2017

cubro-me






encontro-me ao espelho
gelei
estive nua tempo demais







segunda-feira, 6 de novembro de 2017

dual









quando o dia acalma, eu penso nele. como seria a vida sem ele, como seria a vida com ele. e vivo neste tendo, não tendo. e vivo neste não esperar, esperançando.








domingo, 5 de novembro de 2017

cheganças








tem dias em que ele chega e tem dias em que chego eu. tem dias em que nos chegamos. então, de uma forma de estarmos chegados um ao outro que nem precisa que nos cheguemos, ele desperta desejos em mim, em lugares onde apenas ele chega. e eu fico-me assim, como se eu não me chegasse.







sexta-feira, 3 de novembro de 2017

conta-letras









à distância de um braço esticado, do meu corpo deitado na cama, tenho vários pares de óculos. todos eles aleijados, torcidos, desasados. mas estes que trago, agora que te leio, têm uma lente partida. são os que melhor me servem, quando te recebo a conta-letras. todas as palavras feitas para entristecer, escorrem, no seu trajecto descendente, por aquela fissura no vidro, e caem, insensíveis, feitas água, na pele nua que disfarça a carne, o sangue, a seiva, o ritmo descompassado da vida que lateja. sem que o saibas.











quinta-feira, 2 de novembro de 2017

nada









peço à feiticeira que me torne a colocar no lado de dentro da minha vida
- que vês?
- não vejo
- que sentes?
- cansaço











sábado, 28 de outubro de 2017

nada







a feiticeira coloca-me do lado de fora da minha vida 
- que vês?
- eu vejo que ele chega e que ele parte
- que vês?
- nada 










sexta-feira, 13 de outubro de 2017

trazia buracos no corpo









saiu para a rua como quem procura um conforto, um desvio de pensamento. o nevoeiro que pousava sobre a marginal trazia-lhe a monotonia da calma enquanto o carro percorria lentamente todo o trajecto que a conduzia, outra vez, até casa.
trazia palavras coladas na pele, mas também trazia a falta delas e o frio entrava por todos os lados.








terça-feira, 10 de outubro de 2017

sobre fazer amor










sem nos apercebermos deixamos de rir juntos e deixamos de fazer amor que é precisamente a mesma forma de mostrar que um se prolonga no outro










sábado, 7 de outubro de 2017

final












então a forma que encontrou de manifestar o seu amor, foi levá-la, pela mão, ao encontro dele.










segunda-feira, 2 de outubro de 2017

tudo o que era ele não eram senão palavras






“Não havíamos marcado hora, não havíamos marcado lugar. E, na infinita possibilidade de lugares, na infinita possibilidade de tempos, nossos tempos e nossos lugares coincidiram. E deu-se o encontro.”

Rubem Alves





quinta-feira, 28 de setembro de 2017

terça-feira, 26 de setembro de 2017

sobre ele










ele é assim como a chuva mansa que cai amaciando levemente a aridez da sedenta planície.











segunda-feira, 18 de setembro de 2017

sobre esquecer







poderia até abrir mão deste amor, esquecer. 
mas o que me ficaria de todo o tempo em que vivi nele? 
o que seria das margens que definem esta capacidade, há tanto esquecida, de amar, por o ter amado? 
o que seria da memória da pele, desperta, pela palavra? 
o que seria de tudo o que eu poderia ter sido?















chuva







as gotas de chuva tremeluziam, suspensas no varão da varanda que eu distinguia, de noite, por entre a cortina semi-aberta do quarto.
chove, pensei.
chove... escreveria.
e as minhas reticências tocariam as reticências na resposta dele, num entrelaçar de palavras que estreitavam distâncias. 
e eu deitava-me ao lado dele, sem que ele o soubesse. 







quinta-feira, 31 de agosto de 2017

quatro








dentro desta outra de mim, existe uma outra que não quer que ele volte e outra outra que todos os dias olha para o correio e murmura 'escreve-me escreve-me escreve-me'.
se até aqui eu era duas, desde que ele partiu sou quatro.









segunda-feira, 28 de agosto de 2017

tantos dias







foram tantos os dias em que pensei que ele não voltasse mais, tantos. e ele sempre voltou.
agora que não volta, todos os dias me despeço e regresso sempre, a ele. sempre.
são tantos os caminhos, tantos os trajectos que eu invento para poder dizer, que sim.que aceito.que entendo.que seja feliz. mas acabo sempre por regressar a ele, e só aí consego repousar.
foram tantos os dias em que ele voltou, tantos, que agora eu não consigo parar de esperar.
foram tantos os dias em que esperei.









domingo, 27 de agosto de 2017

i cannot bring a world quite round, although i patch it as i can







naquelas longínquas manhãs de domingo, ele lia-me textos que me vestiam a pele de algodão branco. eu ficava ali, imóvel de espanto, a agarrar cada palavra, cada entoação, sem saber como fazer para que ele não partisse. 
não soube. 
agora restam-me algumas palavras que me abrigam nas manhãs silenciosas.
são tantas as palavras. foram tantos os dias. é tão grande o silêncio em que eu volto a ele.











domingo, 20 de agosto de 2017

ainda







por vezes abismo-me no desejo dele e fico assim, parada na beira da vontade de lhe chegar, de lhe escrever, de o sentir, de me rir por causa dele, mas fico assim a vê-lo na distância de mim, e eu ainda tão próximo tão com ele por dentro tão com ele por todo o lado tão com ele ainda em tudo.









quarta-feira, 16 de agosto de 2017

enroscada








os meus olhos deitam-se nas palavras dele, como no inverno, um gato enroscado à lareira. leio-as, uma a uma, lentamente e não entendo o presente.
[os contos de crianças sempre trouxeram dentro uma história de assustar.]
não entendendo a vida, fico-me num tempo que não vivi.







terça-feira, 15 de agosto de 2017

Saber medir distâncias é uma coisa muito importante







Eu não tinha nada de felino, tu sabias
que eu não tinha nada de felino.
Nenhum de nós se admirou quando
medi mal a distância e falhei o salto.
Enquanto ia no ar parecia que era
um salto bom, porém houve qualquer
coisa que correu mal e caí com estrondo
no chão. Ninguém riu. Não era caso
para rir. Grande ilusão ir pelo ar a pensar
que o salto podia ser bom, sem eu ter
nada de felino, sem nunca ter treinado,
sem fazer sequer aquecimento, sem
olho para medir distâncias. Saber medir
distâncias é uma coisa muito importante,
pode falhar-se a vida por milímetros.


Helder Moura Pereira






segunda-feira, 14 de agosto de 2017

choro









Ela olha para o sinal que o identifica e chora. Finalmente chora. Chora o lugar vazio, o tempo passado, o que esperou, chora o que calou, chora o que cala. Finalmente chora.
Dizem os antigos que as lágrimas lavam a alma, contêm sal e o sal é sagrado, limpa purifica.









domingo, 13 de agosto de 2017

vento








inesperadamente volto à falta que ele me faz e se reflecte neste peso vácuo, que nos ombros me desperta aquele súbito cântico árido.












sexta-feira, 11 de agosto de 2017

sem querer







de cada vez que os meus olhos se passeiam pelo que ele desenha da vida, a minha visão alarga, o meu rosto amacia e surpreendo-me a sorrir-lhe.









terça-feira, 8 de agosto de 2017

São mil e umas as noites em que não bato à tua porta




Principe:
Era de noite quando eu bati à tua porta
e na escuridão da tua casa tu vieste abrir
e não me conheceste.
Era de noite
são mil e umas
as noites em que bato à tua porta
e tu vens abrir
e não me reconheces
porque eu jamais bato à tua porta.
Contudo
quando eu batia à tua porta
e tu vieste abrir
os teus olhos de repente
viram-me
pela primeira vez
como sempre de cada vez é a primeira
a derradeira
instância do momento de eu surgir
e tu veres-me.
Era de noite quando eu bati à tua porta
e tu vieste abrir
e viste-me
como um náufrago sussurrando qualquer coisa
que ninguém compreendeu.
Mas era de noite
e por isso
tu soubeste que era eu
e vieste abrir-te
na escuridão da tua casa.
Ah era de noite
e de súbito tudo era apenas
lábios pálpebras intumescências
cobrindo o corpo de flutuantes volteios
de palpitações trémulas adejando pelo rosto.
Beijava os teus olhos por dentro
beijava os teus olhos pensados
beijava-te pensando
e estendia a mão sobre o meu pensamento
corria para ti
minha praia jamais alcançada
impossibilidade desejada
de apenas poder pensar-te.


São mil e umas
as noites em que não bato à tua porta
e vens abrir-me

Ana Hatherly




segunda-feira, 7 de agosto de 2017

momento









quando, como neste momento, o meu corpo cedia ao cansaço e as pálpebras teimavam em fechar os meus olhos, ele chegava com um entrançado de palavras, e levava-me, pela mão, a fazer o resto do caminho.










domingo, 6 de agosto de 2017









Estávamos em Agosto, fechei o caderno contigo dentro, nunca mais voltei a apaixonar-me.

Al Berto








dele








dele, ficou-me a pele. 
ele ensinou-me esta relação comigo mesma. eu, vestida de mim.
acordo na languidez das manhãs de domingo e passo a mão pelo meu corpo num reconhecimento matinal. ele está por todo o lado, em toda ausência dele, em mim, por todo o lado, em todos os poros.












sábado, 5 de agosto de 2017

verde







estou há cerca de uma hora a observar o movimento incessante dos ramos das árvores ao sabor do vento. entretanto a noite cai e eu assisto ao escurecer.
não sei porque ainda me pergunto porque ele partiu, se é tão óbvio que até os olhares cheios de verde cansam.











quinta-feira, 3 de agosto de 2017

guerreiro






foi logo na primeira postura que comecei a esquecê-lo. assim que coloquei um pé perpendicular à parede, o outro paralelo, a perna flectida de forma a que o joelho alinhasse com a ponta do pé, e os braços abertos, alinhados com as pernas, foi aí que deixei de pensar nele. logo no primeiro minuto. no final, passados 50 minutos, em que o corpo mal obedecia à ordem para caminhar, já tinha esquecido o meu amor eterno por ele. 







quarta-feira, 2 de agosto de 2017

contudo




não estou certo de nada. gostava, contudo,
de acreditar que existes, para te esperar sem
angústia, talvez pôr a música mais baixo, ouvir
os vizinhos a conversar, preparar coisas para te
dizer, ler um livro, vestir-me. gostava de ter
por ti um amor convencional, sem ter de o
imaginar. com um jantar pelo meio, um passeio
no mais popular do parque, a ver cisnes e a
fugir dos cavalos. mas não estou certo de nada, e
mais fácil é fechar as portadas, escolher um cobertor
quente e fazer com que vente mais e mais lá fora

valter hugo mãe






segunda-feira, 31 de julho de 2017

vida boa







tem como assunto 'vida boa 2' o email que encaminha o último que me enviou para uma página oculta.
inclino-me para acreditar na mensagem.











Cet Amour




...
Nous n'avions que toi sur la terre
Ne nous laisse pas devenir froids
Beaucoup plus loin toujours
Et n'importe où
Donne-nous signe de vie
Beaucoup plus tard au coin d'un bois
Dans la forêt de la mémoire
Surgis soudain
Tends-nous la main
Et sauve-nous.

domingo, 30 de julho de 2017

da intensidade






muito mais de mil vezes me despedi dele como se fosse a última, sem que ele o soubesse. muito mais de mil vezes me surpreendi por ele permanecer, sem que ele o soubesse.
agora, que ele por fim partiu sem avisar, eu percebo que a tristeza não se compadece com a antecipação da dor, que o espanto pela presença não anula a falta.
agora, eu espero, no correr lento dos dias, que ele se esfume na minha memória, como as falésias na demorada erosão do tempo, sem que ele o saiba.










quarta-feira, 26 de julho de 2017

entre linhas






então é no final do dia, quando quase todos adormecem, quando eu mesma estou dormente, que regresso às palavras amareladas pelo tempo. quanto mais longínquas, mais eu me encontro nelas, mais eu regresso ao tempo em que ele coloria os espaços cinzentos dos dias. 

ele é o lugar onde eu moro, numa palavra, o nome de um lugar enche-me o peito.





















domingo, 23 de julho de 2017

órgão









Diz Leonardo da Vinci que a alma nunca pode corromper-se na corrupção do corpo; mas actua como o vento que provoca o som do órgão de modo que, quando se quebra uma palheta, o sopro não pode produzir um bom efeito.

Eu tenho uma palheta irremediavelmente quebrada.











sábado, 22 de julho de 2017

airnbd









já não há para onde fugir. olho para dentro de mim e não caibo, olho para fora e não me enquadro. recuso ver o que vejo e amordaço o que sinto. 
percorro o airnbd, em vão. 
acabo por me aninhar no sofá ouvindo o som dos carros na rua. gostava de conseguir enrolar-me como os cães e esconder o focinho debaixo da coxa traseira. a vida é cada vez mais um vestido apertado com a etiqueta a picar no pescoço.











sexta-feira, 21 de julho de 2017

colecção












guardo numa caixa de sapatos velhos, todas as palavras que não lhe digo. 
frio, vento, mar, algas, voo, deslizar, onda, ave, silêncio, chuva, sol, amanhecer, estremecimento.











domingo, 16 de julho de 2017

motivos












a razão primeira deste blogue, foi tentar ser outra, oposta a mim mesma. não consegui.
a razão segunda deste blogue, foi dar voz a um querer mudo, a uma vida inexistente.
procuro um terceiro motivo, igualmente incoerente.










quarta-feira, 12 de julho de 2017

tu sabes







Quiero que sepas
una cosa.

Tú sabes cómo es esto:
si miro
la luna de cristal, la rama roja
del lento otoño en mi ventana,
si toco
junto al fuego
la impalpable ceniza
o el arrugado cuerpo de la leña,

todo me lleva a ti,
como si todo lo que existe,
aromas, luz, metales,
fueran pequeños barcos que navegan
hacia las islas tuyas que me aguardan.

Ahora bien,
si poco a poco dejas de quererme
dejaré de quererte poco a poco.

Si de pronto
me olvidas
no me busques,
que ya te habré olvidado.

Si consideras largo y loco
el viento de banderas
que pasa por mi vida
y te decides
a dejarme a la orilla
del corazón en que tengo raíces,
piensa
que en ese día,
a esa hora
levantaré los brazos
y saldrán mis raíces
a buscar otra tierra.

Pero
si cada día,
cada hora
sientes que a mí estás destinada
con dulzura implacable.
Si cada día sube
una flor a tus labios a buscarme,
ay amor mío, ay mía,
en mí todo ese fuego se repite,
en mí nada se apaga ni se olvida,
mi amor se nutre de tu amor, amada,
y mientras vivas estará en tus brazos
sin salir de los míos.

Pablo Neruda










sexta-feira, 7 de julho de 2017

brinca comigo









ele brinca comigo. 
ele chega sem avisar, e, matreiro, joga aos berlindes com as minhas sensações e desperta os meus arrepios, faz vertigens dentro de mim. 
ele esconde palavras nos recantos do meu corpo - suavidade, intensidade, calor, pele, dedos, todo, inteiro, aroma - e nos lábios deixa sempre reticências.
ele enfeita-me o cansaço de poemas - I'll be here when you want me like the sound inside a shell - e eu a saber que não e a fingir que sim.
ele faz do meu duche uma sinfonia dourada e envolve o meu corpo de uma espuma que eu nunca vejo, mas sinto. 

ele desaparece sem avisar e eu nem o vejo ir, assim como quando ele está e eu não o consigo ver, mas está, naquele lugar dos segredos da alma. 
outras vezes, e estas cada vez mais vezes, ele esconde-se de mim e o meu coração, que costumava ficar assim encorrilhadinho, também aprendeu finalmente a não esperar, e então, o meu músculo guardado dentro do peito, deixou de mirrar, ou então já tinha secado tudo o que tinha a secar e ficou ali assim, a bater para viver. os arrepios também desapareceram de tanto antever que ele partiria sem que eu percebesse, e as vertigens sossegaram, não mais senti que não podia regressar do mergulho que me fazia entrar em mim pela mão dele. o meu duche é agora apenas a água quente que me conforta e os recantos do meu corpo deixaram de abrigar palavras. as reticências nos meus lábios foram caindo aos poucos, e apenas resta um ponto, só, sem continuação. 

ele continua a chegar e a partir sem avisar. 
ele é menino e brinca comigo. 
eu, perdi-me no passar do tempo.












quarta-feira, 5 de julho de 2017

pouca coisa









acordo e ele não está. aliás, nunca está. os meus passos descalços percorrem silenciosamente a casa sentindo a maciez da madeira morna. a ausência dele é uma segunda pele, um manto que cobre a minha figura nua. já nem a falta lhe sinto. entro no dia com o corpo todo e ele não é senão este burburinho que sinto em todos os poros.