sexta-feira, 26 de agosto de 2016

e não te encontro












procuro tantos caminhos para ti, tantas portas, tantas entradas, tantas saídas, até. 
tento encontrar-te nas palavras, nas cores, nos números, na carne, no espírito. 
e tu tão longe. 
invento receitas com os paladares que eu sei que gostas, ouço música que me leva para aí, onde tu descansas de olhos fechados e te fazes um, com o som. 
mas não te ouço. 
visto e dispo-me para sentir na pele o pano conforme roça na tua e perfumo com água fresca. 
mas não te cheiro. 
desisto e prometo a mim mesma, que não, para no instante seguinte permitir-me o sim. 
e tu não sei.













quarta-feira, 24 de agosto de 2016

faz-se tarde















nunca lhe disse o quanto o queria, com medo de o perder, e perdeu-o por nunca lhe ter dito o quanto o queria.











terça-feira, 23 de agosto de 2016

o tempo envelhece se não te olho










desejo ver-te com os olhos do corpo. demorar o olhar no teu, sem tempo, que o tempo havia de querer parar também, no caminho do meu olhar para os teus olhos.
desejo ver-te com os olhos do corpo, tocar-te para além da alma, a pele. prometo que não demoro o toque, mas esse segundo permanecerá colado aos meus dedos. tempo feito carne, tempo que não foge.
desejo ver-te com os olhos do corpo, sentir o teu cheiro. inspirar e guardar no peito o teu aroma. não expiraria aquele pedacinho de ti, e traria, qual talismã, colado ao timo.
desejo ver-te com os olhos do corpo e arriscar perder-te.
perder-te prolongar-se-ia no tempo. seriam anos, seria o resto da vida, seria para além da vida, lodo, alcatrão, teia prisioneira, peçonha colada ao corpo.

o tempo não é mais do que este querer que não se cumpre. 
pararei o tempo ao olhar-te.











domingo, 21 de agosto de 2016

de tanto adiar já não se espera











são quatro da manhã e a não há uma nesga de lençóis frescos na cama.
dispo-me para te sentir.
os meus braços rodeiam o meu corpo.
as minhas mãos abertas percorrem a minha pele. 
reconheço-me.
são tantas as distâncias.














sexta-feira, 19 de agosto de 2016

ela e o outro












ele pensou que dizendo-lhe que a amava faria nascer o amor dentro dela. como num livro de auto-ajuda que nos aconselha a dizer em frente ao espelho 'eu amo-te', e passado algum tempo, a nossa auto-estima aumenta. 

mas não, ela não era um espelho, a vida não é um livro de auto-ajuda, e ela já tantas vezes lhe tinha dito que não a chamasse de princesa, nem de bela, nem de amor. que a chamasse pelo nome. 
ela gostava tanto de ouvir o seu nome... 
mas ele continuou. dizia que a amava, com diferentes formas de dizer, e ela a ver-lhe nos olhos, a ouvir-lhe na voz, aquela tentativa de a convencer, de se convencer. 
ela a ver nele e a ouvir nas suas palavras, o que ele não mostrava nem dizia.

então ele cansou-se de esperar que ela retribuísse as palavras de amor, que ela lhe dissesse 'eu também' para as saudades, para os sentimentos, para os desejos. 
ela não espelhou, e amar, não é sentir que se esforce, pensava ela.

então o cordão quebrou-se.

ela respirou fundo. 
regressava novamente a ela, sem expectativas, livre para ser aquela bola pinchona, que tanto está lá no alto como cai a pique, sem ter que explicar porquê. 
livre para fraquejar, se o cansaço for muito, livre para ser ela, para pousar o seu corpo num banco de jardim, e deixar os olhos perderem-se no rio. 

ele seguiu caminho em busca de outro espelho que reflectisse o grande conceito que tem de si mesmo, alguém que pela insatisfação, procurasse patamares mais altos para atingir. 
ele nunca se contentaria com o banco de jardim nem nunca perceberá que ela se espelha, mas é no rio, eternamente enamorado do mar.

ele encontrará um outro amor que gostará que lhe chame princesa e todos os nomes que não o dela.

ela, continuará, com os olhos fitos no ponto em que o rio se une com o mar.











quinta-feira, 18 de agosto de 2016

meu desassossego













tu és a distância e a proximidade, o meu silêncio, o lugar onde me reconstruo, onde me reencontro, onde me ouço, onde me abrigo.











quarta-feira, 17 de agosto de 2016

não estás










o preço a pagar por estarmos com quem amamos, é o tempo diluir-se no vento, as horas a encolherem o dia, o relógio a atropelar minutos, o sol que nasce tão perto da lua.
agora, que não estás,  o tempo alarga-se e esbanja espaço, onde finalmente, caibo eu e tudo o que tem que ser feito.

mas tu não estás.













só tu poderias entrar aqui agora













não digo a ninguém que me acontecem uns dias de solidão.
só tu.
só tu poderias entrar neste espaço em que só caibo eu.
só tu.












segunda-feira, 15 de agosto de 2016

e só por isso estava grata











ela aprendera com a assídua ausência dele, a cuidar-se todos os dias como se fora para um amante, a cuidar-se todos os dias, sabendo não esperar, a cuidar-se todos os dias, por ele para ela, a cuidar-se todos os dias, por nada
a cuidar-se todos os dias porque sim










domingo, 14 de agosto de 2016

diz-me













queria mostrar silêncio
queria dizer olhares
e não sei por em palavras a vontade de ti neste nada
falta-me a palavra














sábado, 13 de agosto de 2016

sonhei











tudo por todo o lado me diz que tu não virás.
finalmente acredito.
dispo a esperança.
dispo a vontade de mergulhar nesses olhos e fazer rasgar um sorriso no teu rosto.
dispo as vezes em que me vi inspirar o odor do teu corpo e sentir o toque da tua pele.
dispo a teimosia em acreditar que sim, que voltaríamos ilesos do olhar que partilhássemos.
dispo-me de tudo.
finalmente nua, volto.
a mim.






















sexta-feira, 12 de agosto de 2016

se viesses













das tuas palavras, a que melhor ficaria nos meus ouvidos: cheguei













o sol sobe vermelho












o sol sobe vermelho. 
e penso em escrever-te 'o sol sobe vermelho'. e fico a pensar, a quem mais é que eu poderia dizer, senão a ti, que 'o sol sobe vermelho'? sim, eu sei. no entanto, só penso em ti quando reparo que 'o sol sobe vermelho'.











quinta-feira, 11 de agosto de 2016

se tu estivesses aqui












estou há horas a tentar despir-me da noite para me vestir de dia.
custam-me tanto as manhãs...tanto...como se a minha alma recusasse ser corpo, também.
se, tu, estivesses aqui, tudo seria agora. não haveria dia nem noite. tocar-te na mão seria viver e isso bastaria.










quarta-feira, 10 de agosto de 2016

tanto mar









pudesse eu sossegar o meu corpo com os atingíveis da alma... 
seguirei como um barco sem um remo, navegando em círculo. até que deixe de esperar. até que largue o único remo. até que te largue. até que aceite a deriva. até que me derive. até que me aceite. até que o barco seja eu, sem remo, à deriva de mim.







terça-feira, 9 de agosto de 2016

eles













ele vivia numa viuvez de amor morrido.
ela vivia numa viuvez de amor desacontecido.













espera













não tendo mais por onde estender-se, a distância tomou conta do corpo, fundo na carne, gravado na alma.
foi no olhar que ele mediu aquele distanciamento.
no dela. tão cansado de esperar.











segunda-feira, 8 de agosto de 2016

num respirar












está tudo em suspenso.
o ar parou, as árvores calaram, o rio espelhou, as aves recolheram, o calor assentou, o sol em continuo, o corpo esmoreceu, as letras não desenrolam palavras.
só o tempo passa, mudo.













domingo, 7 de agosto de 2016

à deriva












ele diz-me que eu sou um porto seguro.
enquanto me rio, sei que sou uma jangada apodrecida à deriva no mar.

o meu porto é esta distância ladeada por palavras que tu soltas dos dedos.
mar onde tu navegas.
 vento onde eu derivo.
 sem nunca nos fundirmos.




































sábado, 6 de agosto de 2016

invento-te













encosto-me a ti. 
o corpo cheira a calor. o teu abraço envolve os meus ombros.
ouço o teu respirar, sorves o ar fresco da noite e os aromas das ervas da terra.
o teu peito acompanha o ritmo do teu coração e eu acompanho o ritmo do teu peito.
os rios correm-nos no corpo, todos os rios que nos separam.
inventar-te é o mar onde nós desaguamos.












sexta-feira, 5 de agosto de 2016

não me morras












morres-me.
dispo-me.
nua, em frente ao espelho, procuro no corpo, nas partes escondidas, em todas reentrâncias, as marcas dos teus dedos, os poemas que deixaste tatuados na pele, o arrepio, o teu perfume, a tua voz sussurrante, tu em todos os poros.
não te encontro.
morres-me.






















quinta-feira, 4 de agosto de 2016

um dia não sentirei a tua falta












faltas-me. e não há como dizer-te isto de outra forma. 
faltas-me. 
sim, os dias são mais longos e largos e são mais as coisas que cabem neles. 
mas faltas-me.
o dia nasce, e sabes, não tenho a quem dizer - o sol está a nascer. e, pela hora do crepúsculo - é a hora do sossego, as andorinhas anunciam o regresso aos ninhos. 
faltas-me.
os dias sobram-me e esse excesso abre um espaço vazio no meu peito, a cada dia maior, a cada dia mais vazio.
faltas-me.
o corpo pesa mais ao acordar e recusa adormecer de noite. e tu sabes como eu sou de madrugadas, mas faltas-me.
escrevo 'faltas-me' em papelinhos pequeninos que dobro e queimo, sucessivamente, até esgotar esta vontade de escrever 'faltas-me',
até que não sinta a tua falta.












por dentro da pele












olha para dentro.
ver-me-ás.
mergulha no mar.
sentir-me-ás.
ouve o vento.
ouvir-me-ás.
dorme.
estou aí.
acorda.
estou aí.
tu sabes.
não acordarás um dia em que não te lembres.
de mim.















quarta-feira, 3 de agosto de 2016

no avesso de tudo












tu estás em tudo. no lado invisível de quem escreve, nas palavras caladas de quem fala, na visita que não chegou, na noite que não dormi, no cansaço que não descansei, na salada que sobrou da véspera, no filme que não vi, no poema que roubei, nos corpos intocados.
no silêncio. 
no silêncio.













terça-feira, 2 de agosto de 2016

Não sabemos nada











Não sabemos nada.
Nunca saberemos se os enganados
são os sentidos ou os sentimentos,
se viaja o comboio ou a nossa vontade
se as cidades mudam de lugar
ou se todas as casas são a mesma.
Nunca saberemos se quem nos espera
é quem nos deve esperar, nem sequer
quem temos de aguardar no meio de um cais frio.
Não sabemos nada.
Avançamos às cegas e duvidamos
se isto que se parece com a alegria
é só o sinal definitivo
de que nos voltámos a enganar.

Amalia Bautista












segunda-feira, 1 de agosto de 2016

para ti













colado à pele, trago o frio do vento norte, os salpicos da espuma das ondas, o arrepio da água do mar, o conforto da toalha estendida ao sol.

caminharás à beira-mar sem saberes que caminhas à beira-mim