quinta-feira, 30 de junho de 2016

e o vento













não tardes
o tempo escorre
o corpo envelhece
a vida rasteira
o desejo esquece

diluímos 













quarta-feira, 29 de junho de 2016

é fado











de tanto o querer antes de o ter, deixo de o querer depois de o ter
sou feita de desencontros, de descoincidências, de entardeceres, de desvontades














terça-feira, 28 de junho de 2016

os sons da noite










a noite traz-me, pela porta aberta, o sussurro do vento nas folhas das árvores, e a tua voz, que não ouço.
no meu corpo, levarei, a tua pele, que não toco, o teu odor, que não sinto, o teu olhar, que não vejo.
fazem-me falta mais sentidos para explicar como te tenho em mim.

lá em baixo uma criança começou a cantar o frére jacques...









mais longe













distancias-te mais longe do que a distância. 
não preciso dizer-te nada, sabes tudo. 
aceito. aceito-te inteiro.
estás dentro.
podia dizer - é apenas um corpo, trago-lhe a alma comigo.
mas tu também sabes da urgência da pele, do escoar do tempo, do transformar do querer.
tu sabes tudo e distancias-te mais longe do que a distância. para depois chegares e me deixares suspensa neste querer mais.












segunda-feira, 27 de junho de 2016

o outro











telefona-me. diz que temos de conversar, de nos entendermos, que fez uma cama com lençóis frescos para eu ficar lá a dormir. nunca dormi com ele. desejei-o sim, mas nunca dormi com ele. e não vai ser agora, precedido de conversações, como se fosse uma negociação para um tratado de paz.
dir-lhe-ei, não posso, perdeste o teu tempo, o tempo do arrebatamento. 
ensaio as palavras cá dentro de mim. ele permanecerá equânime, como sempre, ou então perceberá que há tempos e sinais que têm que ser entendidos, que perdemos os dois.













domingo, 26 de junho de 2016

o teu nome














se eu pudesse dar um nome ao domingo, seria o teu. se o soubesse.
então o teu nome seria sol, luz, azul, alegria, ou chuva, calma, recolhimento e paz.
quando o domingo fosse de vento e nuvens a atravessarem com pressa o céu azul, o teu nome seria paixão, vida, força.
teria cheiro também o teu nome. relva, mar, flor, se o domingo fosse de ar livre, e se eu soubesse o teu nome.
assim, domingo é apenas domingo, e o teu nome, é simplesmente o teu nome.













sábado, 25 de junho de 2016

nada mais













faz uma rodilha de palavras, de frases, de versos. 
dessa rodilha inventa um regaço.
nesse regaço, permite o silêncio.
nesse silêncio, despe-me do cansaço.
encosta o teu corpo no meu.
só isso.















daqui desta cadeira,













os meus olhos perdem-se na direcção do vento, no consentimento das folhas, nas nuvens que quebram a monotonia do céu, no voo picado das aves.
tu estás em todo o lado.














sexta-feira, 24 de junho de 2016

outra eu










descubro em ti facetas de mim, que desconhecia. uma outra, eu.












já saí












afago o teu cabelo prateado, deixo um beijo na tua cabeça e saio de mansinho. 
nem dás por mim.
ouvi dizer que coisas importantes aconteceram no mundo.
não darás pela falta de mim.
li, algures, que ontem morreu um pardal.
faltas-me, numa parte de mim que desconheço, ainda.















quinta-feira, 23 de junho de 2016

até quando









os meus olhos disfarçam - acolhe-me
a minha boca diz - até logo












terça-feira, 21 de junho de 2016

proximidade














fazes um ninho entrelaçando palavras que dizem o que não dizes e ofereces-me abrigo abrindo a mão de normas que não revelas. 
repouso em tudo que não me mostras, mas eu sei.
a tua intangibilidade tão próxima.














abrigo














todos os dias partes sem saber se regressas
todos os dias regressas
todos os dias partes sem saberes se te recebo
todos os dias te recebo












segunda-feira, 20 de junho de 2016

pare tudo para que eu pense em ti














paro para pensar em ti. 
desligo a música, procuro o silêncio impossível. pensar em ti é magia. pensar em ti é sentir-te. pensar em ti é orar. 
até as folhas das árvores, aqui à minha frente, se aquietaram. 
pensar em ti é prática ancestral. 
é ter-te.















domingo, 19 de junho de 2016

viajantes












viajaremos.
levarás na bagagem o teu amor ausente, e eu, o meu coração vazio.
partilharemos silêncios e proximidade de pele.











tempo e verbos













há um tempo para tudo.
há o tempo do encantamento.
há o tempo em que se têm que unir os corpos.
tu deixaste passar esses tempos todos.
hoje, olhas para mim, e inventas as cores que vês nos meus olhos. tocas o meu corpo na procura de um desejo que já não existe, nele.
tanto te falei do corpo e da pele e da terra e da vida e de sentir. 
e tu rias. 
falavas-me em gerúndios e eu vivia imperativos.
agora, usas os condicionais, e eu
rindo,
fico pelo pretérito, imperfeito.

o desperdício devia ser pecado capital.

















sábado, 18 de junho de 2016













somos irremediavelmente sós.
o sino toca as oito horas enquanto eu perco o meu olhar no céu tão pouco azul, estático.
fecho os olhos e sinto o teu corpo morno, nu, só.
como eu.
nunca nada preencherá esse teu peito vazio.
nunca nada me baixará as defesas que ao mesmo tempo me destroem.
a nossa ligação é de almas. elas trazem consigo os corpos, de vez em quando.
então, em pele, fundimos-nos, num voo.















sexta-feira, 17 de junho de 2016

lonjura













o meu coração coceia dentro do peito quando acordo e tu não estás. em sangue, quer sair à procura do teu, como se fosses a foz para onde corre o rio que circula dentro deste corpo tão longe do teu.













quinta-feira, 16 de junho de 2016

see you soon













é do corpo que se trata, do toque, do olhar, de ouvir-te, de cheirar-te, sim, aquele perfume a relva fresca, aquele sabor a água do mar.
é do corpo. é de pele com pele. é de intimidade. é de vida.
parto.














quarta-feira, 15 de junho de 2016

primeira












dispo-me de passado, de dores, de amores, de desamores, de anseios, de vida vivida, de vida desejada. dispo-me de mágoas, de medos e até de alegrias, dispo-me de tudo o que vi, que li, que ouvi.
chego até ti. essência primeira.
encherei o meu espanto de ti, que reconhecerei no arrepio na pele.














terça-feira, 14 de junho de 2016

tu














está aqui um corpo de mulher cansada.
tu sabes.
tu adivinhas-me.
ofereces-me o teu abrigo em silêncio.
respiramos-nos.
depois, lentamente envolves-me em palavras. pele, toque, infinito, mar, céu, algodão, suave, cashemire, nudez, tu, vento, sol, chuva, só por ser para mim, chuva.
eu tenho as mãos vazias.
as palavras parcas.
mas tu entendes-me.
adivinhas-me.
acolho-te. 
em mim.
de todas as maneiras que existem para adentrarmos-nos, adentramos-nos. 
um no outro.















para que fiques












prolongo-nos com ninharias. 
quero-te e este querer não é só de pele, é de alma, é de oxigénio, é de água, é de mar.
prolongo-nus.
e esta nudez não é só de pele, é de alma.














segunda-feira, 13 de junho de 2016

linguagem















falamos no mesmo idioma.

dizes - pele - arrepio-me
digo - vento - envolves-me
dizes - toque - vertigino-me
digo - mar - ondulas
dizes - aroma - inspiro-te
digo - corpo - fundimos-nos











 I try to touch
as much of you as possible
with as much of me. 


Simone Wolff
















domingo, 12 de junho de 2016

enquanto dormes










passo o dedo pelo teu corpo sem que tu acordes. faço-o lentamente, de olhos fechados, desenhando os contornos do teu rosto, dos teus braços, do teu peito. inspiro o odor que se solta da tua pele. ouço a tua respiração. 
memorizo-te.
vejo os livros empilhados no chão do lado da tua cabeceira e finjo que durmo. anseio o momento em que que me vais acordar sussurrando frases ao ouvido, aquelas palavras simples com que tocas a minha pele.
despertas-me.














sábado, 11 de junho de 2016

tudo















dispo-me de corpo e dispo-me de alma.
chego a ti nua, verdadeira, vulnerável, imperfeita.
deposito nas tuas mãos todas as probabilidades que tenho de te perder.
tenho tudo a ganhar.
tenho tudo a perder.














amor













solto-me de ti para regressar a mim
solto-te de mim para te devolver a ti













sexta-feira, 10 de junho de 2016

medo















no dia em que te tiver corro o risco de te perder. 















quinta-feira, 9 de junho de 2016

regressamos a casa













sussurras aos meus ouvidos as palavras que os teus dedos escrevem na minha pele. os meus lábios pousam no teu corpo a frescura do vento, o sal do mar, a brandura do sol. regressamos a casa, um no outro.














quarta-feira, 8 de junho de 2016

despir-me











para te tirar da minha pele, dispo-te, de ti. camada a camada. ficas nu, frente a mim, e eu, livre, parto de novo, de mim, para ti, nus de todo, de tudo.















tantas















sou tantas que me perco. nem sei em qual de mim te tenho. em todas, responde-me uma, ele está em todas. 
...
as aves voam tão alto neste dia coberto de céu pardo. 
...
tento despir-me de ti. mas tu és tantos também. são tantas as camadas.














terça-feira, 7 de junho de 2016

sentidos
















despertas-me. os sentidos, um a um. vejo-te para além da visão, ouço-te para além da audição, sinto-te ausente, cheiro-te na água, saboreio-te em mim.