domingo, 15 de maio de 2016

ele



















ele deixa-me palavras escondidas na pele, e brinca. 
há lugares do meu corpo que só ele conhece, e deixa aí as mais secretas, eu não as consigo ver. esta manhã descobri 'aroma a relva cortada' na nuca. assim, por acaso, quando passava a mão pelos sítios onde ele pousa os beijos, estava lá, 'aroma a relva cortada', o aroma, que as palavras estavam por baixo dos cabelos.
quando me deixa palavras nas pálpebras, também não as vejo. abro os olhos, elas escondem-se, baixo as pálpebras, não as vejo. só quando ele me beija os olhos, é que por vezes, traz uma colada nos seus lábios, e aí sim. hoje trazia. colado na boca, 'mar', e a minha boca na dele bebeu a palavra, e o mar, sem que ele notasse. 
dentro do corpo deixa-me malicias e vazios que esperam por ele, e nos lugares em que se aninha em mim, deixa-me vontades. 
ele sabe usar bem todas as palavras das vontades e malicias. e fala-me do mar e do rio e da foz e como se juntam as águas e amainam a ondulação naquele encontro final. fala-me das marés e dos barcos e de como eles abrem caminho pelas correntes e trazem os cascos molhados ao chegar aos portos, do vento e das vestes e dos panos e dos cheiros e dos sabores e da terra e das sementes e das árvores que não resistem ao desejo de serem folhas também, e todas as palavras dele são corpo e desejo que eu desejo.
depois, quando deixa o corpo dele falar, e o coração dele encontra o bater do meu, e quando como o rio e o mar se encontram na foz e são água e sal numa só corrente. repousamos sem saber onde começamos ou acabamos, um e outro, e ele lê para mim.
há dias que parte e não volta. há dias que quero ser só. há dias em que coincidimos. há dias em que comungamo-nos.