sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

vestida de mim








acordo mais nua. 
o desejo das tuas mãos na minha pele evola-se. 
percorro o meu corpo lentamente. o arrepio ainda mora nele, onde tu não estás, onde nunca estiveste.
a roupa caída aos pés da cama, e eu mais nua de ti.








quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

o que ficou depois de ti











as mãos vazias e frias neste corpo nu em lençóis brancos e o descanso do abandono






sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

natal







acendo a lareira e cubro-me de roupas velhas.
é natal.
o homem bom morreu na véspera da consoada e eu não entendo.
é natal.
nunca deixaria de ser natal por um homem bom morrer na véspera da consoada.
tanta vida que ficou por viver, e não deixou de ser natal.

cubro-me com roupa que me conhece velha e enrodilho-me à lareira.
talvez a tua mão me fizesse aceitar os dias que ficam por viver.

amanhã arrancarei a ferros, de dentro de mim, o espírito natalício.


segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

transparente










dispo-me de todas as formas que tenho para me despir para que me vejas nua, inteira.







sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

perdida nas folhas






Ele cobriu a minha nudez com pétalas frescas. 
Todas as noites retirava metodicamente algumas. 
No primeiro dia, retirou as do pescoço, depois as dos ombros, de seguida as dos seios, e assim até me ter completamente nua. 
As pétalas, ele guardou-as nos livros de poemas. O pescoço no eugenio, os ombros no pessoa, os seios no herberto, o coração na fiama, o ventre no al berto, o sexo na maria teresa horta, as pernas no Gedeão e os pés no manoel de barros. 
Foi assim que aprendi a amar-me.
Quando entristecia, abria um livro e regressava a ele, que me ensinou que a pele é poesia e pode ser sonhada.
Quando me perguntam quem sou, agora sei que sou poema e estou retalhada, dividida entre as páginas dos livros dele.









segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

minha nascente









é do silêncio e da quietude, que criamos os frágeis fios de água que formam a tempestade em que navegamos, à deriva.










domingo, 4 de dezembro de 2016

noite











Ele leu para mim.
Estava frio e era noite e ele leu para mim.
Estava frio e era noite e eu estava cansada e ele leu para mim.
Estava frio e era noite e eu estava cansada, preparou-me um banho perfumado com alfazema e ele leu para mim.
Estava frio e era noite e eu estava cansada, e acolhi-o nos meus braços, e os nossos corpos num só descanso, enquanto ele lia para mim.


Estava frio e era noite e eu estava cansada.
Adormeci e sonhei que ele lia para mim.












domingo, 27 de novembro de 2016

as palavras












sentiu uma náusea no peito. jamais voltaria ao instante antes da desilusão.
é costume, dissera-lhe ele, reduzindo os aconteceres a banalidades.

e os poemas que ele lhe escondera nos recantos do corpo, estilhaçaram-se na lonjura do olhar.







quarta-feira, 16 de novembro de 2016

a estação por dentro











conto-te do desperdício das estradas percorridas dos rios atravessados do tempo gasto do cansaço sentido
sem ser para ti
trazia nos meus olhos as cores todas dos outonos todos para pousar nos teus olhos
não te vi 










sábado, 12 de novembro de 2016

poderá a distância também deixar de ser longitude?








repara
anoiteceu
o dia esfumou-se e não sei onde ficaram as 24 horas
é urgente encher cada hora de vida, adensar o dia, adentrar a vida
é a única forma de não perder os dias de não perdermos a vida
deixa-me pousar demoradamente os meus olhos nos teus
também deslizarei lentamente os dedos na tua pele
imagina
o meu rosto tão perto do teu pescoço enchendo o meu peito com o teu perfume
ninguém notou que o tempo deixou de existir e que a vida vale pelo que vivemos
cinquenta anos é nada
um dia é uma vida
repara
o sábado acabou
anoiteceu
o dia não chegou a ser








quinta-feira, 10 de novembro de 2016

e, com sorte, sonharei contigo







escrevo-te de olhos fechados
- os meus olhos já se fecharam
- pois, está a escrever de olhos fechados - dizes
estou.
fecho os olhos e imagino-te. ontem cheguei mesmo a sentir o teu corpo na minha mão. a textura da pele, a temperatura, a resistência da carne ao toque, a surpresa, a cedência.
tu pões as palavras no lugar certo, no momento certo, fazes tudo certo quando escreves. adivinhas-me, coincides-me. 
eu sorrio.
tu não me vês.
deitada, ponho os óculos para te ler, respondo, tiro os óculos, fecho os olhos, para de seguida colocar os óculos, escrever-te, tiro os óculos, fecho os olhos e começo a sonhar, para depois recomeçar tudo outra vez. brincas de não me deixar dormir, e eu deixo.
o meu corpo está tão habituado às tuas palavras, que reage antes de te ler. e tu sabes, fazes delas ondas e brisa e pluma e perfume e toque de algodão.
adormeço com os óculos postos. 
estão todos torcidos, os óculos, e o meu pescoço também.











quarta-feira, 9 de novembro de 2016

são cada vez menos as palavras que merecem maiúsculas









meu querido, o trump ganhou as eleições nos eua. no meio deste absurdo todo fica-me a certeza de que tudo é possível. 
quebremos as regras, não pensemos em consequências, vamos deitar fora a lista de conduta das nossas limitações. vamos ser loucos e irresponsáveis para nosso prazer, num mundo sem amanhã previsto, liderado por loucos por poder, eleitos por pessoas ávidas de supremacia.

as dias já não serão muitos, meu querido.










domingo, 6 de novembro de 2016

eu sei porquê







mas ele tem o dom de me adivinhar. 
e eu deixo.
então chega, com a bagagem cheia de palavras,
...
dedos
mãos
pele
cuidado
atenção
tentação
macio
marca
embalo
música
ondulação
café
...
e como se trouxesse as chaves certas, entra em cada fechadura do meu corpo, 
e desperta-me,
...
olhar
saliva
arrepio
vertigem
desejo
repouso
alegria
liberdade
aceitação
vontade
querer
abandono
amparo
...
ele faz-me sentir mais do que o que eu sei de mim.

e parte








quarta-feira, 2 de novembro de 2016

o que sobrou






passo a mão pelo meu corpo enquanto me ensaboo, e lembro-me de ti.
invariavelmente lembro-me de ti quando me apercebo do meu corpo.
lembro-me da violência das tuas mãos paradas enquanto ias e vinhas dentro de mim.
eu, violentada por mim porque te permiti.
eu, violentada por ti que te ausentaste de mim, inteira, para te presenteares em mim, pedaço.

não, não há verbo para o que fizemos juntos.

já se passaram meses e ainda não encontrei palavras para te falar do que fui eu naquele durante.
nesta página em branco, ensaio frases que escrevo e apago, torno a escrever e a apagar, todos os dias, desde esse dia, sem encontrar como te definir em mim. sem encontrar como te falar de mim.

na tentativa de entender,
retrocedo até ao tempo antes de ti.
retrocedo até ao tempo em que te olhava de longe e te queria por perto.
retrocedo até ao tempo em que te tive na margem de mim.
retrocedo até ao tempo em que te tive por dentro e te quis tão longe.
nesse retrocesso perco toda a credibilidade em mim.

pensar que tanto caminho fiz, tanto tempo gastei, tanto homem recusei, para chegar a ti como quem nasce de novo. e em vez de renascer, perecer.

invadiste-me. a minha vida, o meu corpo, o meu tempo, o meu ninho, o meu âmago. invadiste-me.

com todos os homens que passaram por mim, de alguma forma cresci, na dor, no prazer, na carne, na alegria, no conhecimento, na sabedoria. como mulher sempre me fortaleci. de ti, ficou esta falta de tudo e a certeza de nada.

o que sobrou de ti em mim?
estas palavras feridas.










segunda-feira, 31 de outubro de 2016

quieta







quieta.
fico quieta, sentindo a minha respiração.
faltas-me.
se eu ficar quieta o tempo suficiente sentindo a minha respiração, deixarás de faltar-me, dizem.
faltas-me e o meu peito arde por dentro, enquanto fico quieta e sinto a minha respiração.
doem-me os braços com a ausência do teu corpo.
e fico quieta.
dói-me o corpo com as palavras que não te digo.
quieta.












quinta-feira, 27 de outubro de 2016

inutilmente







A mulher ​suspeitou do que sentia, quando nos momentos em que lhe assolava o vício da solidão, desejava-o a seu lado.








terça-feira, 25 de outubro de 2016

sem que me vejas












assim como o mar reflecte a cor do céu, das nuvens, da profundeza das águas, assim eu verto o meu olhar nele, para aí chegar.











sábado, 22 de outubro de 2016

estações












o melhor que ele me deixou, foi este não esperar.
olho as aves, o vento, as folhas que esvoaçam, as marés. nada espero, tudo existe, tudo volta, a seu tempo.
como ele.
como eu.













sexta-feira, 21 de outubro de 2016

acordo e








o silêncio é interrompido de vez em quando por uma pinga do chuveiro ou de algum carro que passa na rua.

há dias em que todas as ausências convergem num ponto só, num lugar profundo de mim, com a crueldade do violador.











terça-feira, 18 de outubro de 2016

serenidade












Ficaria o dia todo a ver a chuva cair, calma silenciosa obliqua, sobre a ramada da glicínia que mostra os últimos cachos de flores lilases.

Tornaste os meus dias maiores e mais serenos.
Não te disse que sou de paixões e tempestades?









sábado, 15 de outubro de 2016

quilómetros












ao deixarem de falar a mesma linguagem, a distância entre eles crescia a cada pensamento sem reflexo












quinta-feira, 13 de outubro de 2016

tu sabes











tu foste a mão de borges, eu a areia, a minha vida, o deserto.












quarta-feira, 12 de outubro de 2016

calma










acordo e já não penso em ti. 
apagas-te devagar. 
lembro-me do tempo em que te trazia escrito em cada arrepio da pele. dizias 'por todos os poros', e eu não te confessava que sim, 'por todos os poros'. mas eras, em tudo, no céu, nas flores, nas árvores. lembras-te do jacarandá e da laranjeira que brincava com as estações? ah, tudo se me apaga da memória à medida que docemente te afastas. 
tento lembrar-me do antes do agora, e fica sempre um sabor amargo a desperdício e uma crescente incapacidade futura.  
sento-me em frente a este ecrã frio e sinto uma calma que não queria.












terça-feira, 11 de outubro de 2016

tu









desencontro-te.
desencontro-me.
esquecendo-te, desconheço-me.

és a árvore que dá voz ao vento.









sábado, 8 de outubro de 2016

do azul










até o azul do mar perdeu a tonalidade, desde que deixei de te dizer 'o mar está pintado com o teu azul'.
porque azul, eras tu, com todas as variantes, em ti.










segunda-feira, 3 de outubro de 2016

além de mim












pergunto-me sobre o que restará no lugar, agora vazio, e onde antes havia tudo.













sexta-feira, 30 de setembro de 2016

emboscou-se












ficou presa na liberdade que ele lhe impôs.












terça-feira, 27 de setembro de 2016

desaparecendo











trago o peito tão cheio de palavras para ti. palavras que não têm como verterem-se, pelos dedos, no papel.
trago os dedos tão sem tempo para palavras de alívio.
trago os olhos tão cheios de desnecessário.
não sei se o que está escrito, existe, porque os dedos escrevem, se pelos olhos que lêem, se pelo peito que expele.
não sei onde te situo em mim se eu não habito em ti.
tudo isto são palavras fracas, frouxas, inconsistentes.
como isto de ser só eu em nós.
um dia, estas palavras serão nada.










segunda-feira, 26 de setembro de 2016

não, nem me lembro de ti







Yo no te recuerdo,
te acumulo
te atesoro.















domingo, 25 de setembro de 2016

esperança











as tuas palavras têm o som de gotas de água. 
e hoje chove tanto...
como poderei esquecer-me de ti agora que o inverno se aproxima?
como poderei esquecer-me de ti quando se aproximar o verão, se tu és luz e azul?

[mas olha, esta manhã entrei em duas livrarias e nem pensei em ti. talvez haja esperança para a minha sanidade sentimental.]











sábado, 24 de setembro de 2016

mudarei de terra para poder sentir










saudades de ser estrangeira e poder verter dos olhos no rio a falta de ti, sem que me estranhem.









sexta-feira, 23 de setembro de 2016

um e outro














pode-se dizer que eles chegaram à vida dela de mão dada. não em simultâneo, mas um entregou-lhe o outro, apontou-lho.
não, não se conhecem, o um e o outro, mas andam a par, e a par entraram na vida dela, como dançarinos de roda, com ela no meio. então, o que ela perguntava a um, o outro respondia, o que um lhe mostrava, o outro completava, quando um não estava, o outro desaparecia, e quando um chegava, o outro saudava-a. um escrevia e o outro mandava-lhe os poemas que o outro criara.
por longo tempo ela pensou serem, um e outro a mesma pessoa, tantas eram as coincidências. só bem mais tarde, quando na presença de um, recebia mensagens de outro, é que se convenceu que eram dois que, sem o saberem, viviam a par. um trouxe-lhe poesia, música, conhecimento, sensualidade. o outro, trouxe-lhe espiritualidade, questionamento, crescimento. 
ela encantou-se e desencantou-se e reencantou-se por um e por outro, a par. até que um dia, no mesmo dia, de um e de outro, gestos diferentes com sentidos sinónimos, afastou-se. 
um e outro, na mesma altura chegaram na sua vida, e um e outro, precisamente no mesmo momento saíram da sua vida. um, ela não sabe porquê, o outro, ela deu-lhe o porquê.
um e outro não sabem, mas vivem a par com distâncias entre eles, de muitas medidas.
quantas vezes ela se abeirou de perguntar ao um, o porquê de lhe trazer o outro para a sua vida, mas a vertigem do precipício travou-a.
caiu do inverso, do que calou.











terça-feira, 20 de setembro de 2016







van gogh







sexta-feira, 16 de setembro de 2016

vem














Vem. 
Vamos contrariar os oráculos. O tarot, as runas, os búzios, o baralho cigano, o exu e a pomba gira.  Vamos contrariar os astros, o carma e os desígnios divinos. 
Todos dizem que não virás.
Vem.











terça-feira, 13 de setembro de 2016

é só a história de uma noite de uma mulher qualquer













conta-me:

eu não quero isto para mim - pensou naquela noite já longinqua, com aquele homem no meio das suas pernas, em movimentos ritmados.
ela acreditara que ele, que dizia que a amava, tinha mãos de cura, que se se entregasse a elas, sararia feridas passadas, na alma. 
e permitira. 
ele desceu as alças do seu vestido e despiu-lhe os seios. desfez-se da roupa dele e da dela, e naqueles movimentos que se passavam por dentro dela, por muito mais dentro do que ele poderia imaginar, perguntou-lhe se tinha 'acabado'. ela disse-lhe que não, mas que não se preocupasse com isso. com um suspiro e um tremor, o corpo dele pousou, pesado sobre o dela. 
gostaste? - perguntou, ao que ela disse que não era pergunta que se fizesse, e recusou o banho que ele sugeriu. 
não preciso - disse, enquanto ele se levantava com pressa para o duche.
ela vestiu-se com calma, e acolheu-o no seu colo depois de lavado, não entendia ela do quê. passeou os dedos pelo  cabelo grisalho do homem e conversaram sobre nada.
quando regressou a casa, debaixo da água do seu chuveiro, reparou que ele nem lhe tocou no corpo, com as mãos.

pergunto-lhe se valeu a pena, se se sente curada. 
ela fecha os olhos e esconde a mágoa por baixo das pálpebras. 















domingo, 11 de setembro de 2016

a ti, a quem não nomeio











como quem solta um adesivo colado  numa queimadura, 
a pele em fogo que ficou depois de ti, 
tu soltas-te, 
gentilmente, 
de mim










sexta-feira, 9 de setembro de 2016

eu gosto tanto de ti












andei todo o dia perdida. não saber de ti, é não ter norte, nem chão, nem repouso, nem âncora.
cheguei ao fim da noite sem tecto.
comi demais.
bebi demais.
tento preencher o espaço que deixas vazio em mim, com coisas, tarefas, espécie de desejos.
eu gosto tanto de ti.
eu gosto tanto de ti.